O primeiro instante foi de dor. Como se para que escorresse este sangue
se tivesse contraído o mundo. Ficou parada, ouvindo pingar como numa
grota aquele primeiro óleo amargo, a fêmea desprezada. Sua força ainda
estava presa entre barras, mas uma coisa incompreensível e quente, enfim
incompreensível, acontecia, uma coisa como uma alegria sentida na boca.
Então o búfalo voltou-se para ela.
O búfalo voltou-se, imobilizou-se, e à distância encarou-a.
Eu
te amo, disse ela então com ódio para o homem cujo grande crime
impunível era o de não querê-la. Eu te odeio, disse implorando amor ao
búfalo.
Enfim provocado, o grande búfalo aproximou-se sem pressa.
Ele
se aproximava, a poeira erguia-se. A mulher esperou de braços pendidos
ao longo do casaco. Devagar ele se aproximava. Ela não recuou um só
passo. Até que ele chegou às grades e ali parou. Lá estavam o búfalo e a
mulher, frente à frente. Ela não olhou a cara, nem a boca, nem os
cornos. Olhou seus olhos.
E os olhos do búfalo, os olhos olharam seus
olhos. E uma palidez tão funda foi trocada que a mulher se entorpeceu
dormente. De pé, em sono profundo. Olhos pequenos e vermelhos a olhavam.
Os olhos do búfalo. A mulher tonteou surpreendida, lentamente meneava a
cabeça. O búfalo calmo. Lentamente a mulher meneava a cabeça, espantada
com o ódio com que o búfalo, tranqüilo de ódio, a olhava. Quase
inocentada, meneando uma cabeça incrédula, a boca entreaberta. Inocente,
curiosa, entrando cada vez mais fundo dentro daqueles olhos que sem
pressa a fitavam, ingênua, num suspiro de sono, sem querer nem poder
fugir, presa ao mútuo assassinato. Presa como se sua mão se tivesse
grudado para sempre ao punhal que ela mesma cravara. Presa, enquanto
escorregava enfeitiçada ao longo das grades. Em tão lenta vertigem que
antes do corpo baquear macio a mulher viu o céu inteiro e um búfalo.
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