Ele deixou cair no cinzeiro o cigarro que se apagara.
-Uma vez, quando era menor ainda do que você, brincava com um espelhinho
à beira de um poço da minha casa, eu morava numa fazenda meio selvagem.
O poço estava seco e era bonito o reflexo do espelhinho correndo como
se fosse uma lanterna pela parede escura, sabe como é, não?
Mas de repente o espelho caiu e se espatifou lá no fundo.
Fiquei desesperado, tinha vontade de me atirar lá dentro pra buscar os
cacos do meu espelho. Então alguém - acho que foi meu pai - levou-me
pela mão e me consolou dizendo que não adiantava mais nada porque mesmo
que eu juntasse, um por um, os cacos todos, nunca mais o espelho seria
como antes. Sabe, Virgínia, vejo Laura como aquele espelho despedaçado: a
gente pode ir lá no fundo e colar os cacos, mas tudo então o que ele
vier a refletir, o céu, as árvores, as pessoas, tudo, tudo estará como
ele próprio, partido em mil pedaços.
Veja bem, triste não é o que possa vir a acontecer...a morte, por
exemplo. Triste é o que está acontecendo neste instante. Ela tem a
cabeça doente, o coração doente...E não há remédio. Só o sopro lá dentro
é que continua perfeito como o espelho, antes de cair no chão.
As meninas - Lygia Fagundes Telles
Nenhum comentário:
Postar um comentário